quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Dos mangás aos animes - um "short-cut"


Osamu Tezuka
Osamu Tezuka, o pioneiro, foi um grande desenhista que ganhou notoriedade com seus quadrinhos nos anos de 1950 e hoje é considerado o pai dos filmes de animação japoneses. No início da década de 1960, as histórias de Tezuka eram muito populares e seu talento era reconhecido pelo cuidado extremo na construção dos cenários e personagens das suas histórias em quadrinhos. As histórias agradavam a crianças e adultos, com referências muito fortes da cultura européia e grande liberdade de imaginação. A qualidade do trabalho de Tezuka merecia ganhar movimento nas telas do cinema e assim ocorreu, com a criação da sua própria empresa, chamada Mushi Studios.
Tezuka realizou belas animações de curta-metragem para o cinema, seguindo, na medida do possível, os passos do seu grande ídolo, o norte-americano Walt Disney. Inventou personagens fabulosos, com poderes fantásticos, mas jamais abriu mão dos valores e dos sentimentos humanos nestas criaturas. Sua técnica apurada tem a mesma sofisticação dos grandes animadores norte-americanos e isto é muito relevante no seu trabalho, porque à época das suas primeiras realizações, o Japão era um país que ainda tentava se recuperar da Segunda Guerra Mundial e os recursos financeiros para os seus filmes não eram tão abundantes quanto hoje. A animação era criada quadro a quadro, desenho a desenho, pincelada a píncelada, o que é muito caro, demorado e trabalhoso.
Os brasileiros que têm mais de 40 anos de idade certamente conhecem ao menos um trabalho belíssimo de Tezuka, uma série de desenhos animados que durante anos fez grande sucesso na televisão brasileira, cujo título em inglês é Princess Knight, conhecida entre nós como A Princesa e o Cavaleiro. Se você se lembra ou conhece a Princesa Saphiri (na língua inglesa escrevem Sapphire), a personagem principal desta série, perceberá que o trabalho de Osamu Tezuka era realmente fabuloso.Os mais jovens estão descobrindo Tezuka com as refações de Astro Boy.
Falecido em 1989, Tezuka deixou discípulos geniais, como Katsuhiro Otomo, o idealizador de Akira, uma das fábulas de maior sucesso nos mangás e que também ganhou as telas do cinema.

Katsuhiro Otomo
Katsuhiro Otomo teve a oportunidade de desenvolver sua arte trabalhando no estúdio de Osamu Tezuka, aprimorando o seu talento sob a orientação do grande mestre.
Akira é um marco das histórias em quadrinhos. A aventura hi-tech criada por Otomo nos leva a refletir sobre grandes problemas próprios das sociedades mais adiantadas tecnologicamente. Partindo da idéia de uma experiência militar para desenvolver uma arma poderosa de destruição em massa, o roteiro de Akira é uma metáfora que nos leva para o submundo das gangues de adolescentes, o poder destruidor das drogas e a deterioração da sociedade e de um país à mercê dos efeitos da falta de controle das autoridades sobre o que é realizado secretamente em laboratórios e escritórios.
O poder para criar, o poder para destruir e o poder de corrigir os erros são o combustível de uma trama muito bem construída por Otomo. O roteiro do filme tem a história um pouco modificada do que está nos quadrinhos, mas ambos são resultado de um trabalho brilhante.
De certa forma, Akira é uma previsão dos tempos que vivemos, com governos incapazes de controlar o poder destrutivo de armas desenvolvidas com alta tecnologia, que acabam caindo nas mãos das pessoas erradas. Em Akira as forças do bem e do mal se lançam na luta usando todas as armas disponíveis como satélites com canhões lazer e mediunidade, lembrando grandes sucessos do cinema da década de 1980, como Guerra nas Estrelas e Scanners.

Hayao Miyazaki
Hayao Miyazaki é outro grande mestre destas artes. O seu gênio foi reconhecido com vários prêmios, como o Oscar de melhor filme de animação de A Viagem de Chihiro.
Os seres fabulosos de Miyazaki têm a qualidade de restituir no espectador a percepção do quanto somos humanos e quais são as nossas principais qualidades. Questões como a ecologia, a preservação dos valores culturais e sagrados estão sempre presentes no trabalho de Miyazaki.
A Viagem de Chihiro é um tabalho magnífico, sobretudo para quem compreende um pouco da cultura japonesa, das tradições, dos mitos, das religiôes mais tradicionais no Japão, como o budismo e o shintoísmo. Uma das mensagens mais importantes deste filme não é para as crianças, mas para os adultos. Hayao Miyazaki diz na tela, com todas as cores e belas imagens: “As crianças pagam muito caro pelos erros que nós, adultos, cometemos.” Este é um filme imperdível para crianças e adultos. Uma bela lição de sabedoria.
Para quem perdeu a oportunidade de ver A Viagem de Chihiro nas telas grandes dos cinemas, uma boa sugestão é passar numa locadora, fazer pipocas e reunir a molecada para assisti-lo com a boa dublagem feita para o português. Se não houver crianças por perto, também vale a pena assistir sozinho ou com uma companhia bacana. No mundo em que vivemos falta a poesia que Miyazaki coloca na tela.
O filme Princess Mononoke, de 1997, distribuído pela Miramax mas que não foi lançado no Brasil, não é para crianças. É um desenho animado para adolescentes e adultos, com cenas de violência e com apurada qualidade estética e visual. A fábula conta a história da luta dos deuses da floresta contra a opressão de uma vilã humana. Simplesmente fantástico.

Mamoru Oshii
Entre os excelentes realizadores atuais do Japão, Mamoru Oshii é uma referência importante. É um mestre na combinação das técnicas tradicionais com os recursos mais modernos na produção de animações. A qualidade técnica alcançada por Oshii e outros da sua geração é impressionante, mesmo para os padrões da indústria cinematográfica norte-americana. O trabalho que o destacou é uma aventura no estilo de Blade Runner, com personagens cíbridos (meio humanos e meio máquinas) e humanos interagindo em uma sociedade projetada no ano de 2029.
Ghost in the Shell, lançado no Brasil em DVD e VHS pela FlashStar como O Fantasma do Futuro, é uma adaptação para as telas do mangá homônimo de Masamune Shirow, filosoficamente denso e, por isso mesmo, mais interessante e mais atual do que Matrix ou qualquer outro filme que eu tenha assistido. No lugar de dividir o mundo em um universo real e outro virtual, Oshii desenvolve sua história no mundo real, com os pés bem no chão e muito atento ao desenvolvimento das tecnologias mais importantes dos nossos dias: a bioengenharia e a computação. A personagem central de O Fantasma do Futuro é uma andróide, cujo corpo foi construído em uma empresa para abrigar um cérebro supostamente humano, algo semelhante a Robocop, de Paul Verhoeven, e Inteligência Artificial, de Steven Spielberg, mas que muito mais “cabeça”, com uma dinâmica que foge à velocidade desesperada de videoclipe, sendo uma obra mais contemplativa, com pitadas da estética de um Wim Wenders e de um Akira Kurosawa.
O desafio da personagem principal é interceptar um vírus de computador que sai da rede mundial para ganhar vida “biológica”. Esse vírus não se espalha, nem contamina um número grande de computadores ou andróides, ele vai passando de um hospedeiro para outro, desenvolvendo consciência como indivíduo e usa suas táticas, da mesma forma que os seres vivos, para perpetuar-se. Um vírus lutando para deixar de ser apenas um código de programação e se tornar uma entidade viva.
Tudo o que se passa em O Fantasma do Futuro bem poderia ser considerado como um delírio, mas a ciência já sabe que células do cérebro humano e do sistema nervoso, os neurônios, podem ser usados em chips de computador desempenhando a mesma função dos antigos transistores. O futuro real caminha mais na direção das idéias de Oshii do que na de Matrix; pelo menos atualmente.
O trabalho seguinte de Mamoru Oshii se chama Avalon, um longa metragem baseado nas experiências de imersão em ambientes virtuais, na verdade um deslocamento da consciência para um mundo virtual, como ocorre com os personagens de Matrix. Em Avalon, os personagens “entram” na máquina para participar de um jogo de videogame cujas fases mais adiantadas podem ser letais para os jogadores, que jogam com as próprias vidas. Se, em O Fantasma do Futuro, Oshii usa as técnicas tradicionais de animação, com os desenhos feitos a mão e filmados quadro a quadro, realçando apenas os efeitos de iluminação com programas 3D, em Avalon os efeitos 3D são poucos e aplicados em imagens de vídeo de alta definição, capturadas com câmeras digitais.
Às vezes o filme parece monótono, lento demais para quem está acostumado com a velocidade de vídeo-clipe dos filmes de aventura feitos em Hollywwod, mas é um belo trabalho. Realizado na Polônia, com atores locais , o filme tem imagens belíssimas e uso de locações reais. Os trabalhos de Oshii são bastante econômicos em munição, se compararmos com os filmes americanos, mas em Avalon os tiros e as mortes de personagens seguem a necessidade do jogo que está sendo jogado. Mesmo assim é um filme feito para o espectador pensar, acima de tudo.
Por último, de Oshii, há a seqüência de Ghost In The Shell, o belo longa de 2005 Innocence. Uma obra de maior apuro estético do que as anteriores, que já eram referência em termos de acabamento e refinamento. Vale a pena assistir, pelo alto nível de reflexão que Oshii propõe, seja para apreciar a evolução das técnicas de animação, ou simplesmente para se divertir.

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